quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Bagagem.

Já é hora de voltar para casa, iniciar o processo de volta, agradecer e despedir dos amigos que fiz aqui no Rio, enquanto dobro as roupas, organizo as malas, vou meditando sobre a minha bagagem...

... Minha bagagem andou muito pesada durante um bom tempo: carregava tudo nas costas, da incerteza dos dias ao abandono do meu "universo particular", criei armadilhas existenciais complicadíssimas para resistir ao tempo e aos seus descaminhos, me tornei solitária e amiga de gente assim também, filosofando sobre a existência cada vez mais conturbada da humanidade e a inacessibilidade de algumas pessoas à felicidade e a lealdade; o porque da ausência da satisfação e da busca eterna do contentamento... Anulando certos sonhos e considerando já como fracasso pessoal a chegada aos 40 sem ter um foco, um posicionamento diante da vida.

O ser humano é impaciente, esta é a verdade. E se é impaciente, também é limitado e impermanente, sendo assim, todas as suas atitudes e consequências serão pertinentes a este estado de latência... Dobro as roupas e verifico devagar que grande parte delas nem cheguei a usar aqui no Rio, as sandálias cheias de strass e brilhos nem saíram da embalagem, como se eu tivesse aqui, me esvaziado de rótulos e esteriótipos que em minha cidade não poderia deixar de usar... Sim. Estar de férias me permitiu usar shorts e chinelos ao invés dos severos e sisudos saltos altos... Me dei conta do volume e do peso da minha bagagem.

Minha bagagem começou a pesar quando notei que outras pessoas também carregam em suas costas o peso de frustrações e erros que não são seus; e assim como eu, foram tentando ajudar aos mais próximos, dobrando as roupas de suas bagagens, acomodando-as em suas malas e deixando "propositalmente" as suas vestes cansadas e oprimidas para um outro momento, para outra oportunidade.

Vi que ando dobrando roupas demais para bagagens que não são minhas, a muito tempo. E que a muito tempo venho usando calçados apertados demais para meus pés... E na tentativa de ser mais humana, ser mais essência e menos aparessência, vim deixando minhas vestes mofarem, se acabarem num amontoado de sonhos de um dia ser vista e entendida pela minha forma de pensar, pelas minhas atitudes de aproximar e me apaixonar... O Cristo Redentor me olha impassível diante da chuva que cai lá fora... me encontro no meio exato entre Ele e a Pedra da Gávea, entre a "libertação que me aguarda de braços abertos, não importando a escolha que eu faça" e o paredão rochoso que me impacta, me prende, me sufoca e me bloqueia, "meu medo de ousar e tomar as atitudes que poderão, ou não, mudar meu destino".... Sou toda conflitos.

Deixo o Rio amanhã a noite. Lancei sobre a Pedra da Gávea, como numa brincadeira de tiro ao alvo, todos pesos que não me pertenciam e que arrastava comigo como fardo pesado. Supliquei a Deus, com os olhos pregados sobre a imagem do Cristo, que me desse forças para seguir apenas com o que me pertence, e se possível, que aos poucos também me desapegasse de outras tantas ilusões. Que minhas ações e sentimentos para este novo ano sejam meu universo e meu chão.

Suspiro. Em nenhum momento desejei tanto voltar para casa e receber um abraço apertado e confiante de quem deixei para trás. Não pelo que deixo aqui, mas pelo que virá. Pela pessoa que preciso me tornar, pelos projetos que quero ousar conquistar - Sim. Resolvi escalar a minha pedra e do alto estar mais perto de Deus.

Sou impermanente como o vento que sopra e leva meus pensamentos ao longe, mas sou única. E ser único, entre tantos outros, deve haver algum sentido, penso. - Olho para a reserva de mata que rodeia o paredão cinza da Pedra da Gávea, como chove fraco agora, o verde resplandece, aviva-se, renova-se mesmo aceitando ser o que é, planta num chão de pedra dura, mesmo sabendo que nunca vai compreender um mundo onde pessoas desmatam e constroem casas, traficam e criam seus filhos, oram e meditam sobre suas existências, lutam, sonham com dias melhores. Aceitar. Meditar. Curar-se a si mesmo.

Obrigada Rio, por me dar esta oportunidade de compreender que o mundo pode e deve ser feito de pessoas, coisas, situações diversas e por isso mesmo, tão únicas como eu.

Malas prontas, bagagem arrumada. Vou com o que é meu e se Deus quiser, nada mais irei amealhar.

Para Ivonilde Moura. (Merci)


Um comentário:

  1. DESPIR-SE DE NÓS MESMOS É NOS COLOCAR-MOS INTEIRAMENTE NA PRESENÇA DE DEUS. MEL

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